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DOPS queria saber se ufólogos eram “subversivos”

O historiador, que prepara tese de mestrado sobre o tema na Unesp (Universidade Estadual Paulista), vai além: “É claro que existe um ‘Arquivo X’ brasileiro. Até hoje existe preocupação do governo brasileiro com esse tema”. Suenaga está se referindo ao seriado norte-americano de ficção científica “Arquivo X”, exibido no Brasil pelas TVs Record e Fox. O programa conta a história de dois agentes do FBI envolvidos na investigação de casos supostamente inexplicáveis (ovnis, ETs, paranormalidade etc), arquivados sob a rubrica “arquivo X”. O FBI (o serviço secreto norte-americano) jamais confirmou a existência de um arquivo ao gênero — fato que ajuda a alimentar o enorme culto em torno do seriado, que está em seu quarto ano de existência. No Brasil, a Aeronáutica informa oficialmente que não investiga OVNI, mas há indícios que mostram exatamente o contrário. Na avaliação de Cláudio Suenaga, os documentos do Dops que encontrou mostram claramente que o interesse original dos serviços de informação era pelo “fenômeno OVNI em si”. À medida que a investigação da polícia política evolui, o foco de atenção passa a se concentrar nas atividades dos ufólogos, visando averiguar se praticavam algum tipo de atividade “subversiva”. “Os documentos que encontrei, são apenas uma parte, uma pequena parte, do ‘Arquivo X’ brasileiro”, diz Suenaga.

A investigação “extraterrestre” do Dops tem origem num fato ocorrido no dia 28 de abril de 1974, nas proximidades de Guarantã (423 km a noroeste de São Paulo). Naquele dia, conforme relato enviado ao diretor do Dops pelo delegado Hermínio José Theodoro. “Guarantã foi abalada pela notícia de que o individuo Onilson Patero fora ‘sequestrado’ por um ‘DISCO VOADOR’ há (sic) 12 quilômetros desta cidade”. O caso Patero, como ficou conhecido, teve grande repercussão na mídia. Comerciante, estabelecido em Catanduva (385 km a noroeste de São Paulo), ele afirmava ter tido dois contatos com ovnis. O primeiro teria ocorrido em maio de 73, numa rodovia próxima a Catanduva. No segundo “encontro”, que causou maior alvoroço, Patero sumiu por seis dias. O carro do comerciante foi encontrado abandonado numa rodovia no interior de São Paulo na manhã do dia 29 de abril e ele reapareceu após seis dias numa fazenda em Colatina, no Espírito Santo. No relatório que enviou ao Dops, o delegado Theodoro observa que, ao narrar para jornalistas a sua viagem num disco voador, Patero estava na companhia de quatro “elementos estudiosos da Associação de Estudos dos ovnis”. O delegado se apressa em identificar os estudiosos e pedir ao Dops que os investigue, na tentativa de ajudar a esclarecer se, de fato, Onilson Patero viajou num disco voador de Guarantã a Colatina.

Romeu Tuma

Em São Paulo, a investigação foi comandada por Roberto Quass, à época delegado-adjunto do Serviço de Informações (SI) do Dops. O SI era então comandado pelo hoje senador Romeu Tuma (PFL-SP), que, segundo mostra um documento, tomou conhecimento da principal investigação sobre os ovnis “vistos” pelo comerciante Onilson Patero. Entre os ufólogos que estiveram com Patero em Guarantã e serão investigados pelo Dops, estão dois dos pioneiros da ufologia no país, Max Berezovsky e Willi Wirtz. É o delegado Quass que toma os depoimentos de Berezovsky e Wirtz, à época integrantes da Associação Brasileira de Estudos das Civilizações Extraterrestres. Os depoimentos à polícia foram dados no dia 11 de outubro de 74 quase seis meses após o caso Patero aparecer nos jornais.

“Os Invasores”

O médico Berezovsky, ainda hoje um ufólogo atuante em São Paulo, afirmou em seu depoimento que considerava verdadeiro o relato de Onilson Patero sobre o seu primeiro, encontro com um disco voador, mas via sinais de que o segundo encontro fora inventado. Por sua vez, o professor Wirz, já morto, disse à polícia que considerava falsos os dois “encontros” de Patero com discos voadores. Segundo Wirz, a história contada pelo comerciante de Catanduva era “completamente inconsistente, com muitos pormenores que lembram filmes de televisão, principalmente a série ‘Os Invasores'”. A pedido da polícia, os dois ufólogos fornecem informações sobre outros ufólogos e pedem que suas declarações sejam classificadas como “confidenciais”, para “evitar que o sr. Onilson Patero, ao tomar conhecimento destas, explore mais uma vez o tema, chamando a atenção para a sua pessoa”. No final de outubro, o delegado Quass parece se dar por satisfeito com os depoimentos de Berezovsky Wirz e aceita a conclusão de que Onilson Patero é um “mitômamo”, que “apresenta certa alteração neurológica”.

Reviravolta

O seu relato é enviado ao delegado Romeu Tuma, que o encaminha ao então diretor-geral do Dops, Lúcio Vieira. O caso parece Em janeiro de 75, a investigação sofre uma reviravolta — e os ufólogos de São Paulo é que passam a ser investigados. Um documento com carimbo do 2° Exército, enviado ao Serviço de Informações do Dops, relata que “tem havido reuniões de cunho duvidoso” na casa de Max Berezovsky e num clube israelita em Higienópolis (centro de SP). Nessas reuniões, “com a idéia de se realizar debates sobre Estudos das Civilizações Extraterrestres (discos voadores), buscam contatos com estudantes e outros elementos, possivelmente ligados à subversão, para discussão e combate ao governo constituído”. É este relato anônimo que leva o Dops a infiltrar agentes nas reuniões dos ufólogos paulistanos. Berezovsky tem certeza de que, no período, teve todos os seus telefones grampeados e era vigiado pela polícia. O que se pode afirmar com certeza é que um agente do Dops assistiu, disfarçado, uma reunião dos ufólogos, em 27 de junho de 75, e relatou detalhes do que viu e ouviu a seus superiores.

Gente crente

Num texto saboroso, porque surreal, o agente que “o conferencista (Flávio Augusto Pereira) discorreu sobre a problemática dos discos voadores, transmitindo inúmeras teorias e informações sobre o assunto”. Mais adiante, o agente informa que “a posição do orador ficou manifesta sobre a existência de tais objetos, como civilizações de outros planetas e galáxias, parecendo também evidente que a maioria dos presentes é aficionada e crente no assunto”. Por fim, o agente do Dops informa que os ufólogos estão em campanha de novos sócios e, o mais importante, que não observou “qualquer comentário, atitude ou alusão política” no encontro. Assim, com a conclusão favorável do agente, observa o historiador Cláudio Suenaga, “encerrava-se um dos mais insólitos processos movidos durante o período pelo Estado brasileiro”.

“Pensava que era paranoia de ufólogo”

O historiador Cláudio Suenaga, 26, é também um apaixonado por fenômenos extraterrestres. Ao encontrar os documentos que comprovam as investigações da polícia política, ficou aliviado. “Já havia ouvido, em reuniões de ufólogos, que muitos tinham sido investigados pela ditadura. Mas podia ser mais uma paranóia de ufólogo”, diz. Com uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Suenaga espera até o final do ano defender sua tese, provisoriamente intitulada “De Mito a Realidade Histórica — Um estudo sobre os fenômenos dos OVNIs”. Suenaga afirma acreditar na existência de ovnis. “Mas não como uma crença. Sou um pesquisador, estudioso.”

“Desconfiava que havia um agente entre nós”

O médico Max Berezovsky, 67, se interessa por ufologia desde o final dos anos 40. No início da década de 70, ajudou a criar um centro de estudos de ufologia, que acabou sendo investigado pelo Dops. “Desconfiávamos que uma das pessoas que fazia parte da nossa associação era um agente infiltrado, mas não tínhamos certeza”, diz Berezovsky, que até hoje estuda o assunto. O médico já viu os documentos do Dops que tratam da investigação a que foi submetido e não se surpreendeu. “Foi uma época conturbada”, diz. Berezovsky usa hipnose para, segundo ele, fazer regressão em pessoas que dizem ter tido contato com extraterrestres. “Já fiz em umas 70 pessoas. Uns 50% dos casos me pareceram verdadeiros”, diz.

Fonte:

Jornal Folha de S.Paulo – domingo 11 de Maio de 1997

http://imagem.arquivonacional.gov.br/sian/arquivos/1110425_12447.pdf

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